Gênero: Queer

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Caderno “Ela” do jornal “O Globo” de hoje

A chamada na capa do jornal não podia ser mais apelativa “transexuais e tipos exóticos estão em alta no mercado da moda”. Sim, essa chamada causa dúvida. Ficamos pensando se é positivo ou negativo esse tipo de exposição. Será que exotismo todo não é semelhante à atração fetichista que o ocidente tem pelo “outro”, que foi materializado, na maioria das vezes, pelo oriente, o africano? A filósofa Viviane Mosé, chega a maneirar o tom da reportagem do caderno de moda do jornal carioca ao dizer “Não acho que exista real interesse neles,  mas sim na imagem exótica e estranha que eles trazem”.

De cara me lembrei do texto do crítico cultural indiano Homi Bhabha, “A outra questão: O estereótipo, a discriminação e o discurso do colonialismo”*, onde ele diz que a ambivalência** é central para o estereótipo, já que ele produz “aquela ‘alteridade’ que é ao mesmo tempo um objeto de desejo e de escárnio”.

É só pensarmos no fenômeno Ariadne. Sim, ela está por todos os cantos, está sendo exposta na mídia, mas de duas formas (daí a ambivalência), uma delas como objeto de desejo, de curiosidade, de atração fetichista, ao sair no Paparazzo, ao ser convidada pela Preta Gil para a sua festa de não sei o que, ao estar no BBB11, enfim;  e outra como objeto de piada pela produção do programa, ao declarar que obrigou a menina a esconder que era transexual porque seria “engraçado ver os homens beijando ela e depois descobrirem que haviam beijado uma transexual”, ou pelas milhares de piadas que se disseminaram na internet, todas preconceituosas, ou pela lamentável capa do jornal popular carioca “Meia-Hora”, que se demonstrou sem limites e sem ética alguma (clique na imagem para conferir esta capa).

Fora isso, a imprensa através da divulgação estereotipada do transexual, acaba simplificando-o, resumindo-o, como diz o psiquiatra Carlos Roberto Alves de Paiva, ainda na reportagem em questão:

O que pude aprender desta experiência foi que a classificação transexual é apenas a mera classificação de um comportamento que não contempla a enorme diversidade erótica deste grupo humano. Da mesma maneira, quando pensamos na classificação comportamental dos heterossexuais, só estamos dizendo que aquele par é do sexo oposto. Todas as grandes diferenças eróticas presentes no ser humano, não estão aí contempladas. Por enquanto, esta classificação “heterossexual” só é pertinente para a reprodução da espécie. As pessoas que entrevistei apresentaram erotismo e percepções sobre suas identidades íntimas riquíssimas e muito diversas. E todas usam as mesmas referências simbólicas de todos os seres humanos.

Modelo citado na reportagem do Globo: Andrej Pejic, novo rosto de Marc Jacobs

A única coisa que eu acho necessário acrescentar à fala do psiquiatra, é o que, na minha opinião, é um dos pontos altos do texto de Homi Bhabha, quando ele problematiza essa idéia de o estereótipo ser simplesmente uma simplificação de uma imagem:

O estereótipo não é uma simplificação porque é uma falsa representação de uma dada realidade. É uma simplificação porque é uma forma presa, fixa, de representação que, ao negar o jogo da diferença (que a negação através do Outro permite), constitui um problema para a representação do sujeito em significações de relações psíquicas e sociais.

Ou seja, a palavra transexual, como qualquer outra classificação, acaba sendo uma forma extremamente simplista, principalmente quando utilizada pelo mercado (seja a mídia ou a moda), de divulgação do “outro”, de quem não faz parte de uma norma heterossexual aceita e visível. Fazendo-nos esquecer que o transexual não é só aquele que “se tornou de outro sexo”, e que sente atração pelo sexo oposto. Mas que ele é justamente o “queer”, todas as formas de expressar a identidade sexual que não são aceitas pela norma, e não uma forma em particular. Portanto, não podemos falar de transexual no singular, mas de transexuais, de transgêneros, de MtFs, de FtMs, de andróginos, de crossdressers, se toda uma parcela da população que é excluída e extremamente simplificada e erroneamente representada por não fazerem parte do que é dito “certo” pela sociedade.

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*Para ler mais do texto de Homi Bhabha, o livro A Outra Questão, onde este texto foi publicado, está disponível no “scribd”: http://www.scribd.com/doc/15481822/olocaldaculturahomibhabha

**Ambivalência:

n substantivo feminino
1    estado, condição ou caráter do que é ambivalente, do que apresenta dois componentes ou valores de sentidos opostos ou não
2    Derivação: por extensão de sentido.
existência simultânea, e com a mesma intensidade, de dois sentimentos ou duas ideias com relação a uma mesma coisa e que se opõem mutuamente
3    Derivação: por extensão de sentido.
m.q. ambiguidade (‘hesitação’)
4    Rubrica: psicanálise.
coexistência ou aparição simultânea, na relação com o mesmo objeto, de tendências, atitudes e sentimentos opostos, basicamente amor e ódio

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